sábado, 18 de junho de 2011

Consideracoes sobre uma foto... Ou o copo de leite com chocolate

Estava eu cortando o cabelo, depois de deixar o corte no piloto automático dizendo a quem sempre corta meu cabelo o tradicional "o de sempre", decidir viras umas paginas de uma dessas revistas de celebridades. La estava a noticia de uma modelo/atriz/cantora/apresentadora que após muitas tentativas infelizes de subir ao altar, resolveu acertar ponteiros com Santo Antonio. A modelo se casaria sim, mas havia uma condição - ela e o marido, um empresário que preferiu não falar com a repórter, morariam em casas separadas.

A jornalista, com a curiosidade peculiar da profissão de pronto perguntou: "Casas separadas? Como é isso?" Sempre alerta, a atriz respondeu com frases prontíssimas. Pregou uma lição sobre como, no mundo moderno, a convivência pode minar a individualidade, principalmente entre pessoas atarefadas, bem sucedidas e que aprenderam a gerenciar a solidão.

Gostei da palavra. Gerenciar. Pensei ali, enquanto a cabeleireira cortava meu cabelo: soa poético quando as pessoas usam termos empresariais para tratar do cotidiano. Um lirismo frio, metálico, mas que me parece contrabandeado de um bom manual de gerenciamento. Lá foi ela....

Num certo momento, desviei minha atenção do texto e das respostas da modelo (que começavam a ficar cansativas, uma repetição de comentários otimistas sobre isso e aquilo) e mirei as fotos. Parecia haver algo forçado, artificial nelas – e aqui não falo em maquiagem, penteado ou efeitos digitais.

A beldade sorria para a câmera, radiante com a novidade. Um casamento. Uau! Não acontece todo dia. Mas, ao mesmo tempo, notei algo desconfortável naquelas imagens. A estrela independente posava em quartos de hotéis, restaurantes, bares, ruas parisienses, cafés, ilhas paradisíacas, castelos... Mas estava sempre sozinha. Sempre sozinha. E, se você reparasse no olhar azulzinho da moça, notaria que algo a incomoda.

Seria isso? Algo a incomodaria de verdade? Havia, de fato, uma distorção naqueles flashes. Mas seria o caso de uma lente equivocada? De um filtro escolhido com desleixo? Ou apenas a percepção de um leitor chato que queria encontrar algo incômodo no olhar daquela celebridade?

A última opção me parece a mais verdadeira. Para minha sorte, a minha cabeleireira mostrou mais uma vez extrema habilidade e terminou o serviço em pouco mais de 15 minutos. Eu ainda teria a tarde inteira de uma quarta-feira para pensar em outras frivolidades.

Há onze meses, divido uma casa com minha esposa. Nos tornamos um lar definido pelas fronteiras do casamento. Uma relação bem mais simples do que aquela que a modelo/atriz/cantora projetou. Ela provavelmente imaginou o formato mais recorrente dos casamentos modernos: ela se acomoda num loft estilo Sex and the City (cheio de sapatos, vestidos e laptops cor de rosa) enquanto ele, do outro lado da rua, convida os amigos empresários para tomar um uísque enquanto jogam sinuca e baralho num apê todo acinzentado, estiloso e com a aparência de um bar tematico.

Ok. É um sonho possível. Mas talvez ela não tenha a cogitado que, numa relação amorosa, a distância pode exercer dois movimentos simultâneos e opostos: arejar o dia-a-dia, mas corroer a intimidade. Prolonga o amor (cada encontro soa como um recomeço, eis o clichê), mas provoca uma sensação de afastamento e desamparo que pode ser fatal.

Formulas para o amor: qualquer um pode escrever um livro sobre o tema. E seria um livro cheio de contradições e questões obscuras, sem certezas, mais ou menos como uma biografia de banda de rock dos anos 70. Não há uma única verdade, uma única linha narrativa, uma regra que resolva todas as equações (até porque os integrantes da banda estavam doidos demais para lembrar de alguma coisa).

Mas estas não são consideracoes sobre sobre amor à distância, viver em casas separadas. É, sim, um post sobre convivência. Sobre dividir a casa, apesar do mundo moderno, da globalização, da convergência tecnológica e das revistas de celebridades.

Minha experiência nesse ramo é, aviso logo, tendenciosa. Morei com meus pais, sozinho, com meus pais de novo, sozinho de novo por um período e tudo isso foi muito bom. Em seguida me casei. Estou começando a aventura de compartilhar, na realidade, um lar. Admito que eu ficava um pouco nervoso com o conceito, com o modus operandi da coisa.

Descobri há pouco que, quando eu pensava sobre essa perspectiva de mudança, o que me perturbava era o medo de perder algo. Algo. Algo que eu não sabia o que era. Não exatamente a minha liberdade, ou a minha individualidade. Não estou falando em termos abstratos. Eu temia o custo dessa espécie de negociação. Porque meu professor de economia ensinou que havia um custo para tudo. E certamente eu teria que abrir mão de muitas coisas, de manias e hábitos, para ter a coragem de pedir uma mesa para dois.

Foi uma aflição parecida àquela que me invadiu quando deixei a casa dos meus pais. Na época, eu suspeitava que seria uma transição terrível. Que seria um trauma. Lembro que eu não queria me desfazer de nada. Não queria perder a minha cama, o meu computador, a minha conexão banda larga, a estante dos meus livros, meu armário, meus pais, meus irmãos, os sofás. Eu sentia que estava fazendo uma escolha equivocada. E que eu iria pagar um preço alto, talvez alto demais, por aquela odisseia.

Acabou que, mais ou menos como numa fábula urbana (e moralista, boboca), o herói da história entendeu que, além de necessária, a mudança revelou algo profundo: que o medo de mudar, de abandonar o conforto e seguir em frente, talvez o conforto tenha feito com que adiasse por teimosia a estação seguinte. Quando morei sozinho, percebi que meu quarto era pequeno demais. E que, apesar de confortável, o ninho familiar estava transformando um adulto num crianção.

E, no mais, era tempo de crescer.

Hoje percebo que meus planos são outros. Ter me casado com certeza e com quem amo provocou em mim um efeito totalmente contrário ao da celebridade da revista: o que mais quero é me aprofundar na experiência de viver numa mesma casa. É isso aí. Estou na contramão da contemporaneidade, eu sei, mas é mais forte do que eu.

Há quem decida investir em inúmeras outras opcoes. Eu preferi usar meu tempo para conviver com a minha esposa, dividir uma casa, traçar uma rotina, dar o primeiro passo, o segundo, o terceiro e no final, perceber que caminhamos juntos. Depois de onze meses, sinto que estamos sedimentando nossa vida. E me parece um bom começo. Neste primeiro ano, notei que eu estava novamente enganado em relação às minhas besteiras: não sinto como se estivesse perdendo algo. Não é como se eu tivesse trocado minha liberdade por outro bem. Não. É diferente disso. É muito melhor, muito mais libertador!

Talvez ainda seja cedo para tirar alguma conclusão sobre a experiência. Nem um ano ainda. Isso é muito pouco. Acontece que depois de tanto tempo namorando e planejando esse momento, o conforto de um lar compartilhado se tornou, para mim, insuperável. Não sou parâmetro para nenhum casal. Meus sentimentos estão desregulados. Quando chegamos do trabalho e esquentamos esfihas compradas depois de um extenso planejamento sobre a melhor coisa pra lancharmos, sinto que vivo alguns dos momentos mais felizes da minha vida.

Talvez eu seja um sujeito apto à vida de casal, ao confinamento amoroso. Faço concesões com facilidade. Entendo que, nos momentos de crise, dividir um apartamento pode ser sufocante. Vi dezenas de filmes sobre o assunto. Conheço casais que, em espaços abertos, não se aguentam. Imagino como deve ser torturante para eles o ato de recolher a toalha que foi largada por descuido em cima da cama. Ou de baixar a tampa do vaso sanitário.

Mas o ceticismo dos que alertam sobre os perigos da convivência também deveria valer quando se trata das relações em casas separadas. Ou não? Porque a distância, mesmo que mínima, não bloqueia o fim do amor, não ameniza as discussões, o destempero. Li sobre casais que vivem em cidades separadas há muitos anos, mas se encontram pouco para não se agredirem. Sei de casais que se amam quando estão juntos, mas que precisam viver aos amassos com outras pessoas. Acontece.

Nessa selva, tenho tambem otimos bons exemplos e tenho minha história. As minhas histórias. E, até agora, elas me mostram que qualquer medo de conviver às vezes pode ser pior, mais massacrante que a convivência em si. Deve parecer uma lição barata, muito típica dos livros de autoajuda e das revistas de fofocas, mas ela me traz todo o alento e me encoraja.

Porque, para alguém que nunca deu muita bola para a solidão, existe algo muito poético, muito emocionante naquele momento em que ela se joga no sofá sem pentear o cabelo, com o pijama antigo, deixando na mesa de centro um copo sujo de leite com chocolate. Isso é intimidade. Para mim, isso é o paraíso.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Paul McCartney




Uma sensação estranha acontece quando aos trinta e poucos anos, você tem certeza que acabou de assistir o show mais significativo da sua vida. Estou descendo a rampa do Engenhão nessa já madrugada de segunda e ouvindo um coro uníssono de pessoas abraçadas, encantadas, cantando os intermináveis Na na na nas de Hey Jude. Acabo de sair do Show do Paul McCartney!



A música, você sabe, sequestra nossos sentimentos e os arquiva para sempre. Um acorde pode disparar lembranças longínquas, impressões confusas, cenas traumáticas, acidentes e desilusões, o medo e os amores, o cheiro da adolescência. O tempo passa, mas o passado permanece congelado dentro das músicas que (talvez contra nossa vontade) mapearam a nossa vida. E la estava toda aquela multidão, compartilhando de alguma forma muitos desses sentimentos.




Uma coisa e ouvir as centenas de bandas cover ganhando a vida tocando Beatles, outra coisa e você ir ao estádio e ver UM BEATLE tocando as próprias composicoes. La estava ele, Sir Paul McCartney! Nao importa se você acha que o segredo do universo esta codificado nos acordes de Yesterday, se você e do time de Dear Prudence ou se Something resume o ideal de paixão a ser vivida. O fato e que além de espetáculo extraordinário (um dos mais tocantes que vi na vida), um show de Paul McCartney desperta todo tipo de impressão e lembrança num público que une jovens e adultos, crianças e avós. As canções pop, essas cápsulas de sensações, se adaptam ao temperamento de quem as ouve. No caso dos Beatles, que escreveram algumas das mais queridas do século 20, esse efeito de catarse ganha o poder de um fenômeno natural incontrolável. São as músicas que nós escolhemos (ou que nos escolheram) para encapsular as nossas memórias, trechos das nossas vidas.



Durante o show, me peguei tentando adivinhar o que Blackbird representava para a menina de 13 anos que acompanhava os movimentos do ídolo com uma câmera digital. Qual era o sentido que ela impregnou àquela canção? Depois, notei um quarentão tirando os óculos para secar lágrimas que caíam durante Something. Qual teria sido o poder daquela canção naquela pessoa? Não sei. Possibilidades infinitas.


Quanto a mim, já acusei o primeiro golpe na primeira musica: Hello Goodbye. Tinha estudado, feito o dever de casa esperava Magical Mistery Tour pra abertura. Quando fui surpreendido por Hello Goodbye, a casa caiu!



Desde o início do concerto, foi se construindo o elo entre o homem de 68 anos que entrou no palco e aquele rapaz corretinho de Liverpool que, nos anos 60, interpretou as músicas que me fizeram amar uma banda pela primeira vez na vida. Parecia uma ponte no tempo, a sensação de saber que aquele homem era o dono, o criador e tinha todo o direito de reavivar uma canção como Drive My Car, que deveria existir apenas nos nossos discos, nos nossos cérebros, nas nossas fitinhas antigas e gastas.



Aconteceu que o show começou a fazer sentido com tanta velocidade que me engasguei, perdi o ar. Foi durante Drive my car, uma canção não tão pungente quanto Yesterday ou Something ou Hey Jude, mas que, para mim, soou fatal. Soou como um estrondo. Quando as milhares de pessoas começaram a cantar em coro, aconteceu o milagre: eu estava novamente no meu quarto, ouvindo Rubber soul numa noite de sábado. Senti ate a temperatura da cama, mas todo o Engenhão estava lá e eram bem vindos.


O segundo golpe veio com Blackbird. Paul vai ao centro do palco, a banda se recolhe e sozinho, ele é acompanhado apenas pelo dedilhado de violão. O público reconhece a música e grita. Mas é a voz de Paul que flutua sobre o coro. A confusão está feita: quem canta a música? O Paul de hoje ou de ontem? O que aconteceu com o tempo? Por que aquela canção que ouvimos tantas vezes voltou a nos tocar? Antes que eu tentasse responder qualquer uma dessas perguntas, chorei mais uma vez.



Chorei sem saber por que eu chorava. Depois tentei entender. Mas tai algo que, horas depois do show, ainda me parece um tanto misterioso.




O show de Paul é simples o suficiente para permitir que entremos nele. Não nos afasta; nos abraça. Não é maior do que as nossas memórias – está à mesma altura delas, ele as envolve. O único momento de pirotecnia (em Live and let die) soa mais como um exorcismo (nossa catarse explodindo em fotos de artifício) do que mera demonstração de poder e dinheiro. Estamos em outro mundo. Não somos ingênuos, entendemos a máquina milionária que opera um show cujo repertório se repete, até de forma previsível, noite após noite. Mas aceitamos o jogo, precisamos do jogo, o jogo nos alimenta: Paul nos conduz a esse túnel largo onde confrontamos nossa própria história e o passado da música pop. La estamos nos, com ele.



La pelas tantas, onde o tempo já havia parado de fazer sentido, veio o golpe fatal: Paul empunha uma guitarra e diz: "Peguei essa guitarra porque foi nela que gravei essa próxima musica". Comeca Paperback Writter. Pronto, era a prova que eu precisava. Tudo fazia sentido! Aconteceu mesmo! Existe uma guitarra, Paul e de verdade e ele gravou a musica junto com mais três rapazes numa década longínqua....



Hey Jude começa, Paul e seu piano psicodelico no meio do palco, tocando os Na na nas que tanto repetimos pela vida afora, fazendo agora um coro com o compositor que um dia achou que o verso "the movement you need is on your shoulder" nao fazia sentido.... O publico levanta balões e cartazes com NA NA NA NA escrito e Paul se emociona. Um homem que viveu tudo o que viveu se emociona com uma manifestacao da plateia. Estamos juntos, Paul!!!!




Yesterday, a musica que definiu a musica pop e talvez a carreira de Paul e depois, Paul, com toda autoridade do mundo pergunta: "You wanna rock?" e manda Helter Skelter. Musica do White album, meu favorito! Musica que na adolescencia me fez ver o Paul virar "macho" naquele baixo e quebrar tudo! Sgt Peppers e The End



Um senhor de 68 anos com energia de sobra, um show sem pirotecnias, sem ,alçapões sem trocas de roupas, sem dancarinos, sem bla bla bla .... Paul sabe o que importa, Paul esbanja simpatia e sabe que a musica fala e sempre falou mais alto em nossos coracoes.



Venho descendo a rampa do Engenhao, emocionado. Seguro firme na mao da minha esposa, evito olhar pra ela pra nao mostrar que estou chorando de novo (O show acabou, a hora de chorar ja foi....) e la vamos nos... Ela sabe que eu vi o melhor show da minha vida e eu sei que ela viu o melhor show da vida dela. Que bom que estavamos juntos. Que bom que fomos!


















segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

VW


Me afogo no trabalho de cada dia e aí percebo que minha vida não é tão espaçosa quanto imagino.


Não é furgão; é fusca.


No mais, talvez eu tenha que pisar no freio e ficar parado no acostamento um tempinho, admirando a paisagem.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

King of Limbs - Radiohead


Maravilha! oportunamente, volto a dar minhas opiniões irrelevantes exatamente sobre o lançamento do trabalho de minha banda existente favorita (Os Beatles não existem mais...)


Já ouvimos metade de King of limbs, o oitavo disco do Radiohead, quando Thom Yorke sugere, num falsete: “Vamos afundar e ficar em silêncio como camundongos. Enquanto o gato está longe, podemos fazer tudo o que quisermos.”


O trechinho deve inspirar dezenas de interpretações. A minha: ele ajuda a entender o temperamento de uma banda que preza a liberdade – mas entende que não se pode conquistá-la sem alguma coragem, sem algum atrevimento.
A trajetória do grupo – principalmente desde Kid A (2000) – conta a história de cinco ingleses que viram a necessidade de criar um território particular, um lugar no mundo, para habitar e fazer tudo o que quisessem.
Esse desejo se manifestou num gesto musical (a “banda de canções” se transformou numa “banda de ambiências, de experimentos”) e também comercial, quando o quinteto rompeu com a EMI e passou a lançar discos por conta própria, criando ou reinventando as regras do próprio jogo.


A música passou a acompanhar as mutações comerciais, até porque eles sabem que não se consome discos como na época de The bends (1995) ou Ok computer (1997). A questão passou a ser: como uma banda pop deve se portar diante de um público que, quando começou a baixar músicas aceleradamente, desmistificou todo o esquema de divulgação e vendas criado pelas grandes gravadoras? Como lidar com um público que perdeu a inocência?


Com In rainbows (2007) e a estratégia do “pague quanto quiser”, o Radiohead criou um pacto com os fãs (os convidou para uma experiência de audição coletiva, mundial, sem área VIP para jornalistas) e descobriu uma forma de ganhar dinheiro com o vazamento do disco, sem brigar com o fato de que a troca de arquivos se tornou inevitável.


Musicalmente, o que surgiu foi uma banda também mais independente, mais relaxada (no bom sentido), despreocupada, mais acessível do que nos tempos de Kid A, amolecida por uma certa inspiração de soul music, uma massa eletrônica por vezes acolchoada, sensual. Não demorou para que aparecesse o veredicto: um Radiohead mais “humano”. Tanto do ponto de vista comercial quanto musical, The king of limbs dá alguns passos para trás em relação a In rainbows. Em vez de permitir que o público pagasse o quanto preferisse, o grupo estipulou um valor para o download (US$ 9, para a versão em MP3). Em vez de planejar um capítulo novo para o som da banda, gravaram um disco que nos remete aos cacos de outros que já lançaram.


O que pode incomodar, acima de tudo, é a impressão de acomodação. Na manhã de sexta-feira, a experiência de audição coletiva se repetiu exatamente como eles planejaram. Já a sonoridade do disco, dividido claramente em duas partes, tenta uma conexão entre os momentos mais arredios da banda (a fase Kid A/Amnesiac, agora com tempero dubstep) e a languidez de In rainbows.


O encontro entre esses dois “estados de espírito” produz um disco de beleza incomum, difícil – um álbum quebradiço, assimétrico, incompleto, frágil, cujas peças não se encaixam. Provoca, por isso, algum mal estar. Tenho quase certeza, porém, que essa sensação de desconforto estava nos planos da banda.


Isso porque, desde In rainbows, Yorke critica o formato tradicional do álbum. Numa determinada entrevista, avisou que abandonaria de vez os discos – via internet, distribuiria conjuntos de canções, lançadas tão logo fossem gravadas. A banda voltou atrás, mas The king of limbs é um espelho dessas incertezas: ele acaba soando mais como uma reunião de faixas criadas durante um determinado período do que uma obra coesa, envolvida num conceito bem definido. Nesse ponto, lembra Hail to the thief (2003), que também apontava várias direções sem saber (ou sem querer saber) onde aportar.


As ligações entre as faixas são quase etéreas, e aparecem nas imagens de natureza (em Bloom, Lotus flower e em Codex, em que um lago representa a pureza) e em arranjos circulares, percussivos, por vezes alienígenas (o loop de Morning Mr. Magpie, por exemplo), quase sempre amparados na bateria jazzística de Phil Selway e no baixo de Colin Greenwood, que mostram o quanto a banda está ouvindo Flying Lotus e congêneres. “Obrigações, complicações, rotina e agenda, te drogam ou te matam”, diz Little by little, quase num remake da paranoia de No surprises.


Na segunda parte, piano e violão vão amenizando uma atmosfera de tensão e desencanto. Em vez de espezinhar o público, Yorke passa a confortá-lo. “Ninguém se machuca, você não fez nada errado”, em Codex. “Não me assombre”, pede Give up the ghost. O álbum termina dentro de um sonho bizarro e irresistível, de onde o narrador não quer acordar.


Até por ser curto (38 minutos), o disco parece aconselhar que voltemos às faixas várias vezes, até que nos familiarizemos totalmente com elas. Existe nessas músicas, até nas mais selvagens (Feral, digamos), uma aparência de criação doméstica, um som íntimo, sem bordas arredondadas ou produção padronizada, um som que dá a ideia de algo autêntico, que faz do ouvinte um cúmplice. O fã do Radiohead às vezes pode se sentir participando dos discos.


Desde que se livrou das obrigações da indústria musical, o Radiohead passou a procurar no próprio estilo, na própria tecnologia digital de gravação, a pureza que encontra nos elementos da natureza e que, para a banda, é corrompida pela vida urbana – mecanizada, artificial.
O título do disco, não à toa, vem de uma árvore com mais de mil anos de idade. Raízes bem firmes na terra. Em The king of limbs, o Radiohead vai se infiltrando lentamente nas profundezas do terreno que criou para si. Sem todas as surpresas que sempre esperamos dele (por isso, um disco que pode parecer um tanto frustrante). Mas talvez o momento seja de mapear o habitat: enquanto o gato não vem, os camundongos sonham.
PS- Será um problema, eu acho, se aquela parte da crítica mais devota (que costuma tratar o Radiohead como uma vaca sagrada) resolver colocar o rótulo de obra-prima em King of Limbs, porque aí é que a banda vai ficar parada mesmo. Espero que não aconteça, espero que tratem mais como um disco de transição (como Amnesiac e Hail to the thief) e menos como um clássico instantâneo.

Mas o Radiohead já conseguiu nos surpreender antes. Quando Ok Computer saiu, todo mundo pensava que aquele seria o grande momento da banda. Aí veio Kid A. E depois veio In Rainbows. Então ainda acredito que, no caso deles, tudo é possível. Tenho fé.

Volto....

Preciso fazer uma confissão, meus amigos, meu amigo(se e que alguém lê isso aqui...):no segundo semestre de 2010, não foi tão complicado escrever para este blog. É. Não foi. Nos momentos menos felizes, quando o meu mundinho nem tão sólido começa a flutuar no ar, seria nestas páginas que me penduraria. Os dedos agarrados ao teclado, gritando socorro. Fica até fácil.

Acontece que quando a vida te leva sorrindo, feliz, os parágrafos voltam a uma condição de repouso. Ou, pior, de movimento retilíneo uniforme. Aí descubro que não sei mais lidar com eles. Os dedos hesitam no teclado. A maré tranquila não faz bem à canoa.

Nas últimas semanas, fiquei nesse impasse. A vida está boa, em Julho passado me casei com a pessoa que amo e estou descobrindo que a vida reserva surpresas cada vez mais gostosas pra aqueles que a enxergam com olhos atentos. 2011, para mim, continua assim, abrindo com o happy end (cenas felizes que me impressionam dia após dia).

O blog, que sempre foi um pouco triste, servia pra propósitos nostálgicos, destoou do contexto. Até pensei: talvez ele tenha que mudar. talvez se começasse outro....

Dei uma lida, revisitei posts e tentei ler com distanciamento... Não consegui. Eram palavras que suei pra achar, lutei pra combinar e enfileirar em cada frase. Escrever pra alguns e tarefa fácil, pra mim, esforço épico!

Fiquei aflito, pra ser sincero: o site me parecia confuso, indeciso demais. Ainda não sei a quem interessa um blog como este, que não é isso nem aquilo, que não tem RG, que anda sempre na beira do telhado. Que não fala exatamente sobre música nem sobre cinema, que não é só um diário (de um sujeito mediano) nem um laboratório de textinhos ingênuos com ambição literária. Talvez tenha um pouco de todas essas coisas, mas essa equação (pouco + pouco + pouco) passou a me incomodar.

Fiz planos que facilitariam a minha vida. Passou a parecer uma questão de foco. Por exemplo: fazer deste um blog de música, quadradinho (mas talvez eficiente), com notícias e resenhas. Ou: fazer deste um blog de cinema, sisudo e cheio de pensamentos um tiquinho arrogantes. Ou: abandonar os discos e os filmes para escrever sobre o meu dedão do pé e minhas lembranças de adolescência, de um jeito arreganhadamente narcisista porém amável, com a possibilidade de fazer sucesso com a molecada. Ou: listar episódios de seriados. Ou: rankings non-stop. Ou: listas de melhores segundo meu umbigo ditador para sempre!

Nada parecia satisfatório, nada. Mas em meio a escuridão, brilhou um farolete onde menos esperava: O objetivo disso aqui e exatamente ver a vida, observar os dias passarem com calma, paciência, humor, beleza e claro, quando necessário uma certa dose de nostalgia... Sem formulas, sem regras.

Aqui volto então, casado, feliz, de casa nova, de prioridades mudadas, com incomodos antigos, reminiscencias da adolescencia, atalhos feitos na marra por encruzilhadas mal escolhidas, andando por pontes que já passei, achando estradas novas... Tenho um GPS agora. Já não ando sozinho pela estrada, mas ainda viajo, viajamos pelos dias, atravessamos durezas, falta de tempo, grana, dias que espetam nossa auto-estima, dias que nunca deveriam acabar.... Enfim, volto como fui, pela mesma razão pela qual me ausentei: Os dias felizes!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ando ouvindo....

Alguns discos que nessas ultimas semanas fizeram minha cabeça:

Vamos falar de Rock:


Black Keys - Brothers


Quando se ouve Black Keys, as vezes fica fácil esquecer que eles são apenas uma dupla, um duo, na melhor das concepcoes da palavra.



Um som audacioso, que continua a explorar possibilidades, se redefinindo a cada album. O mais recente trabalho a somar na discografia deles, Brothers, confirma isso. O disco esta cheio de riffs, blues balancantes e claro, como sempre fazem, sempre incorporando o estilo classico "old school". Da primeira a ultima faixa, Everlasting Light (favorita do humilde escriba) e These Days respectivamente, a dupla mostra o seu repertório de extensa variedade musical.

Em Brothers, o Black Keys não reinventa a roda. Potencializa. Faz tudo rodar mais suave. Há pentatônicas clássicas e aquele bumbo de bateria marcante das verdadeiras preciosidades do rock’n roll.




Vamos falar de Jazz....




Dave Holland Octet - Pathways

O canal mais criativo do baixista Dave Holland, sempre foi o seu quinteto. Nos últimos anos, no entanto, Dave lançou vários outros formatos de grupos, expandindo a instrumentacao mas ao mesmo tempo mantendo alguma coisa da identidade do quinteto. Nesse disco, Pathways, gravado ao vivo na casa de jazz Birdland em 2009, Holland encontra mais um caminho através de seu octeto. O interessante e o meio termo entre o quinteto e a big band que Holland encontra no formato de octeto em termos de tamanho, textura e densidade do som que consegue tirar desse formato.


Holland e um cara que tem muita personalidade em suas composicoes: Explico; E um baixista e compoe como tal. Composicoes focadas e dirigidas ao seu instrumento. Assim como figuram no som de sua big band, os ecos de "Caravan" Duke Ellington estao la, como o proprio Dave admitiu em seu blog, dizendo que os grupos menores de Duke Ellington foram uma enorme influencia. Vale a pena!

Faixas: Pathways; How's Never?; Sea of Marmara; Ebb and Flow; Blue Jean; Wind Dance; Shadow Dance.


Personnel: Dave Holland: baixo; Chris Potter: Saxofones tenor e soprano; Robin Eubanks: trombone; Steve Nelson: vibrafone, marimba; Nate Smith: Bateria; Antonio Hart: Saxofone alto, flauta; Alex Sipiagin: trompete, flugelhorn; Gary Smulyan: saxofone baritono









Grandes Abraços!