Estava eu cortando o cabelo, depois de deixar o corte no piloto automático dizendo a quem sempre corta meu cabelo o tradicional "o de sempre", decidir viras umas paginas de uma dessas revistas de celebridades. La estava a noticia de uma modelo/atriz/cantora/apresentadora que após muitas tentativas infelizes de subir ao altar, resolveu acertar ponteiros com Santo Antonio. A modelo se casaria sim, mas havia uma condição - ela e o marido, um empresário que preferiu não falar com a repórter, morariam em casas separadas.
A jornalista, com a curiosidade peculiar da profissão de pronto perguntou: "Casas separadas? Como é isso?" Sempre alerta, a atriz respondeu com frases prontíssimas. Pregou uma lição sobre como, no mundo moderno, a convivência pode minar a individualidade, principalmente entre pessoas atarefadas, bem sucedidas e que aprenderam a gerenciar a solidão.
Gostei da palavra. Gerenciar. Pensei ali, enquanto a cabeleireira cortava meu cabelo: soa poético quando as pessoas usam termos empresariais para tratar do cotidiano. Um lirismo frio, metálico, mas que me parece contrabandeado de um bom manual de gerenciamento. Lá foi ela....
Num certo momento, desviei minha atenção do texto e das respostas da modelo (que começavam a ficar cansativas, uma repetição de comentários otimistas sobre isso e aquilo) e mirei as fotos. Parecia haver algo forçado, artificial nelas – e aqui não falo em maquiagem, penteado ou efeitos digitais.
A beldade sorria para a câmera, radiante com a novidade. Um casamento. Uau! Não acontece todo dia. Mas, ao mesmo tempo, notei algo desconfortável naquelas imagens. A estrela independente posava em quartos de hotéis, restaurantes, bares, ruas parisienses, cafés, ilhas paradisíacas, castelos... Mas estava sempre sozinha. Sempre sozinha. E, se você reparasse no olhar azulzinho da moça, notaria que algo a incomoda.
Seria isso? Algo a incomodaria de verdade? Havia, de fato, uma distorção naqueles flashes. Mas seria o caso de uma lente equivocada? De um filtro escolhido com desleixo? Ou apenas a percepção de um leitor chato que queria encontrar algo incômodo no olhar daquela celebridade?
A última opção me parece a mais verdadeira. Para minha sorte, a minha cabeleireira mostrou mais uma vez extrema habilidade e terminou o serviço em pouco mais de 15 minutos. Eu ainda teria a tarde inteira de uma quarta-feira para pensar em outras frivolidades.
Há onze meses, divido uma casa com minha esposa. Nos tornamos um lar definido pelas fronteiras do casamento. Uma relação bem mais simples do que aquela que a modelo/atriz/cantora projetou. Ela provavelmente imaginou o formato mais recorrente dos casamentos modernos: ela se acomoda num loft estilo Sex and the City (cheio de sapatos, vestidos e laptops cor de rosa) enquanto ele, do outro lado da rua, convida os amigos empresários para tomar um uísque enquanto jogam sinuca e baralho num apê todo acinzentado, estiloso e com a aparência de um bar tematico.
Ok. É um sonho possível. Mas talvez ela não tenha a cogitado que, numa relação amorosa, a distância pode exercer dois movimentos simultâneos e opostos: arejar o dia-a-dia, mas corroer a intimidade. Prolonga o amor (cada encontro soa como um recomeço, eis o clichê), mas provoca uma sensação de afastamento e desamparo que pode ser fatal.
Formulas para o amor: qualquer um pode escrever um livro sobre o tema. E seria um livro cheio de contradições e questões obscuras, sem certezas, mais ou menos como uma biografia de banda de rock dos anos 70. Não há uma única verdade, uma única linha narrativa, uma regra que resolva todas as equações (até porque os integrantes da banda estavam doidos demais para lembrar de alguma coisa).
Mas estas não são consideracoes sobre sobre amor à distância, viver em casas separadas. É, sim, um post sobre convivência. Sobre dividir a casa, apesar do mundo moderno, da globalização, da convergência tecnológica e das revistas de celebridades.
Minha experiência nesse ramo é, aviso logo, tendenciosa. Morei com meus pais, sozinho, com meus pais de novo, sozinho de novo por um período e tudo isso foi muito bom. Em seguida me casei. Estou começando a aventura de compartilhar, na realidade, um lar. Admito que eu ficava um pouco nervoso com o conceito, com o modus operandi da coisa.
Descobri há pouco que, quando eu pensava sobre essa perspectiva de mudança, o que me perturbava era o medo de perder algo. Algo. Algo que eu não sabia o que era. Não exatamente a minha liberdade, ou a minha individualidade. Não estou falando em termos abstratos. Eu temia o custo dessa espécie de negociação. Porque meu professor de economia ensinou que havia um custo para tudo. E certamente eu teria que abrir mão de muitas coisas, de manias e hábitos, para ter a coragem de pedir uma mesa para dois.
Foi uma aflição parecida àquela que me invadiu quando deixei a casa dos meus pais. Na época, eu suspeitava que seria uma transição terrível. Que seria um trauma. Lembro que eu não queria me desfazer de nada. Não queria perder a minha cama, o meu computador, a minha conexão banda larga, a estante dos meus livros, meu armário, meus pais, meus irmãos, os sofás. Eu sentia que estava fazendo uma escolha equivocada. E que eu iria pagar um preço alto, talvez alto demais, por aquela odisseia.
Acabou que, mais ou menos como numa fábula urbana (e moralista, boboca), o herói da história entendeu que, além de necessária, a mudança revelou algo profundo: que o medo de mudar, de abandonar o conforto e seguir em frente, talvez o conforto tenha feito com que adiasse por teimosia a estação seguinte. Quando morei sozinho, percebi que meu quarto era pequeno demais. E que, apesar de confortável, o ninho familiar estava transformando um adulto num crianção.
E, no mais, era tempo de crescer.
Hoje percebo que meus planos são outros. Ter me casado com certeza e com quem amo provocou em mim um efeito totalmente contrário ao da celebridade da revista: o que mais quero é me aprofundar na experiência de viver numa mesma casa. É isso aí. Estou na contramão da contemporaneidade, eu sei, mas é mais forte do que eu.
Há quem decida investir em inúmeras outras opcoes. Eu preferi usar meu tempo para conviver com a minha esposa, dividir uma casa, traçar uma rotina, dar o primeiro passo, o segundo, o terceiro e no final, perceber que caminhamos juntos. Depois de onze meses, sinto que estamos sedimentando nossa vida. E me parece um bom começo. Neste primeiro ano, notei que eu estava novamente enganado em relação às minhas besteiras: não sinto como se estivesse perdendo algo. Não é como se eu tivesse trocado minha liberdade por outro bem. Não. É diferente disso. É muito melhor, muito mais libertador!
Talvez ainda seja cedo para tirar alguma conclusão sobre a experiência. Nem um ano ainda. Isso é muito pouco. Acontece que depois de tanto tempo namorando e planejando esse momento, o conforto de um lar compartilhado se tornou, para mim, insuperável. Não sou parâmetro para nenhum casal. Meus sentimentos estão desregulados. Quando chegamos do trabalho e esquentamos esfihas compradas depois de um extenso planejamento sobre a melhor coisa pra lancharmos, sinto que vivo alguns dos momentos mais felizes da minha vida.
Talvez eu seja um sujeito apto à vida de casal, ao confinamento amoroso. Faço concesões com facilidade. Entendo que, nos momentos de crise, dividir um apartamento pode ser sufocante. Vi dezenas de filmes sobre o assunto. Conheço casais que, em espaços abertos, não se aguentam. Imagino como deve ser torturante para eles o ato de recolher a toalha que foi largada por descuido em cima da cama. Ou de baixar a tampa do vaso sanitário.
Mas o ceticismo dos que alertam sobre os perigos da convivência também deveria valer quando se trata das relações em casas separadas. Ou não? Porque a distância, mesmo que mínima, não bloqueia o fim do amor, não ameniza as discussões, o destempero. Li sobre casais que vivem em cidades separadas há muitos anos, mas se encontram pouco para não se agredirem. Sei de casais que se amam quando estão juntos, mas que precisam viver aos amassos com outras pessoas. Acontece.
Nessa selva, tenho tambem otimos bons exemplos e tenho minha história. As minhas histórias. E, até agora, elas me mostram que qualquer medo de conviver às vezes pode ser pior, mais massacrante que a convivência em si. Deve parecer uma lição barata, muito típica dos livros de autoajuda e das revistas de fofocas, mas ela me traz todo o alento e me encoraja.
Porque, para alguém que nunca deu muita bola para a solidão, existe algo muito poético, muito emocionante naquele momento em que ela se joga no sofá sem pentear o cabelo, com o pijama antigo, deixando na mesa de centro um copo sujo de leite com chocolate. Isso é intimidade. Para mim, isso é o paraíso.
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