sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Inglorious Basterds


Sessões de filme do Tarantino, pra mim, continuam sendo um tipo extraordinário de evento. Acordo, faço a barba, uso o perfume. Não chego a tentar a camisa social, mas escolho uma camiseta legal. Me preparo com ansiedade.

São felizes as lembranças de cada uma das sessões (a exceção de Cães de aluguel e Prova de Morte que vi só em DVD).


Pulp fiction: Estudante do internato, peguei saída pra Campinas, fui me aventurar num titulo que não sabia do que se tratava... Não conhecia Tarantino, não sabia nada daquele cartaz com a Uma Thurman. Achei legal, entrei. Fiquei Impressionado com aquilo tudo se encaixando, aquelas cenas me dizendo que um filme pode se apresentar de uma forma muito diferente do que tinha visto naqueles meus 17 anos. Por fim, decorei todos os diálogos e o assisto sempre que posso...


Jackie Brown: Um período meio nebuloso da minha vida. Duvidas, confrontacoes com mudanças inesperadas... Havia muito não ia ao cinema e estava muito desligado. Vi que era Tarantino e corri pra encontrar um Pulp Fiction na segunda versão... Não encontrei mas gostei. Continuei com o período nebuloso e demorei pra voltar ao cinema.

Kill Bill, vol. 1: quase um homem feito. Fui numa dessas sessões na parte da manha. Matei aula na faculdade, assisti com ansiedade de ter lido muito a respeito, esperado muito e só não assisti a outra sessão porque já trabalhava e não podia perder o emprego. Dois dias depois voltei ao cinema.... E depois e depois... Revi três vezes já memorizando algumas cenas. Isso no cinema... Mas entendi que algumas daquelas cenas eram eternas (a chegada da Noiva em Tóquio, sob um cenário que parece feito de cartolina e celofane, Aquele monjolinho na ultima luta, placidamente despejando agua....).


Kill Bill, vol 2: Fui ver com amigos que gostavam de filmes na linha Steve Martin e afins... Enfim, peitei o programa e disse que ninguém ia se arrepender de ver um Tarantino...Fiquei tão extasiado que não me importei com opiniões, nada... Sai do filme numa espécie de transe, admiração por ver aqueles diálogos todos, aquelas cenas belíssimas aos olhos e surpreendentes em suas sequências... Só comecei a entender do que se tratava depois, bem depois.... Um filme de amor. Fora o texto do Super-Homem, que não esqueço e sinto uma frustração por ter passado a vida sem ter pensado nisso... E genial!
(Chego a acreditar que, para mim, os filmes de Tarantino funcionam mais ou menos como pontos de referência. Quando os revejo (e as vezes revejo trechos), é como se eu retornasse imediatamente a um ponto específico da minha vida. Não há como evitar.)

E agora estamos aqui novamente. Escolhi um feriado, sem pressa pra chegar, sem hora pra depois do filme... Continuo usando perfume e me arrumando um pouquinho melhor. Caprichei na camiseta e fui.

Bastardos inglórios. Belo filme.


Numa análise muito superficial da coisa, noto que a trajetória de Tarantino conta a história de um cinéfilo – talvez desde sempre – que aos poucos aprendeu a dominar a linguagem do cinema e tomá-la para si. Os filmes mais recentes mostram uma segurança no tratamento das imagens que não existia, por exemplo, em Pulp fiction. Ainda assim, existe uma característica que se repete em todos os filmes: um desejo intenso por cinema. Isso é palpável. Esteve sempre lá.


E está neste novo filme. Tarantino vai à briga como quem tenta criar uma obra-prima (e um dos personagens chega a dizer algo do gênero; “acho que fiz minha obra-prima”), com uma determinação quixotesca. E demonstra tanto controle – da técnica, do próprio estilo, das opções formais que escolhe para si – que fica a impressão de uma obra perfeita, até meio fria (como são frios e perfeitos alguns filmes do Stanley Kubrick), quase sem arestas, construída milimetricamente (o roteiro ficou amadurecendo por uma década, e dá para perceber). Uma simetria perfeita.

Para quem acompanha o diretor há tanto tempo, mais impressionante será notar como ele vai apurando a química dos filmes anteriores enquanto se desafia a seguir experimentando. A estrutura do longa lembra um pouco a de Sangue negro, já que é toda calculada com sequências longas, aqueles diálogos impagáveis que começam tolos e terminam trágicos – tudo encenado com uma rigidez, uma dureza um tanto teatral. E, impossível deixar escapar, é no mínimo muito ousado como Tarantino usa a gramática quase surrealista de um “mundo de cinema” para interpretar um dos episódios mais conhecidos, debatidos, filmados do século 20: a Segunda Guerra Mundial.

É um filme de vingança, como era Kill Bill. Mas, aqui, a vingança é gatilho de uma catarse maior, de um acerto de contas histórico. Tarantino reescreve os livros didáticos não apenas como diversão inconseqüente, mas como uma forma de fazer justiça. O cinema salva o mundo. O cinema reescreve a história. Há algo de poético nisso. E é por isso que, lá perto do desfecho, este filme muito duro vira mais um típico Tarantino: um filme de cinema.


Nada de novo nisto: ele se reinventa para reafirmar uma antiga fé. Só que, agora, de uma forma tranquila, sem tanta aflição. Entendo. E continuo a tratar essa história como se fosse um pouco minha... Afinal, já se foram alguns anos e também resolvi encarar certos amadurecimentos.

Um comentário:

André R. S. Gonçalves disse...

curti..
me deixou morrendo de curiosidade, mas por causa dos ossos do ofício terei que aguardar...
abração, meu querido