“ Palavra não foi feita pra enfeitar, brilhar; a palavra foi feita pra dizer”… Lido isso, nas costas de um livro de Graciliano Ramos, resignou-se e decidiu escrever com a veracidade que emprestava aos pensamentos mais honestos! Tinha trazido consigo o coração grosso de muitos dias sem achar paz. Achava que aquela angustia toda ia ajudar em alguma coisa. Na verdade não ajudava em nada. Sentia-se pesado, lento e sem força pra muito fazer. Começou a forjar começos de frases, emprestar sentido a fios de idéias que retalhava uma nas outras, tentando dar volume ao sentido que ainda não achara. Começou.
Atirou-se sem nenhuma nesga de idéia na tarefa ingrata de fazer-se claro. Faltavam-lhe aventuras, talvez. Atrapalhava-se sempre nas invenções. Tinha imaginação fraca e não sabia mentir. Pelas criações com que pretendia justificar-se, logo o desenho de alguma palavra melhor se formava logo adiante, e isso o desgostava. Arrumaria uma história, não tinha dúvida disso. Ela viria... Sem obediência, sem disciplina, na hora que quisesse, com vontade propria, mas viria. Era só esperar.
Ergueu-se, ocultando um desapontamento incômodo. Via-se grande, antes mesmo de conseguir achar a palavra certa. Palavra pra dizer se tivesse que dizer, até mesmo pra enfeitar, se num repente, se inventasse de enfeitar. Palavra que fizesse sentido a sua grandeza imaginária. Antes mesmo daquilo tudo, do suor do ofício, da purgação do treino, da prática... Sentiu-se um fanfarrão, um impostor. Caixeiro viajante que chegava contando aventuras que nunca viveu. Não sofria da melancolia oceânica dos poetas que inventavam saudades. Não conhecia desassossego e consternações imemoriais... Não padecia de males financeiros que lhe privassem a saúde, alimentação, nada.
Precisava, no entanto ser verdadeiro no que dizia. Ser convincente em suas angústias ausentes. Tentou recorrer a beletrismos da língua, que lhe trouxeram grande embaraço logo no início. Nem palavras rebuscadas conhecia a contento! E de mais a mais, “ palavra não foi feita pra enfeitar, brilhar, palavra foi feita pra dizer”...
Sentou-se, inventando uma disciplina que não possuia. Entregou-se ao começo de sua busca. “Palavra foi feita pra dizer...” Nada lhe ocorria. Nenhuma palavra lhe dizia nada.
Sempre fora fascinado pelas primeiras frases de livros. Chaves que abriam todo o conteúdo de aventuras, sentimentos, sofrimentos, redenções...Frases que traziam todas as outras. Lembrou-se de frases de livros que gostava, falou-as em voz alta; “Num lugar da Mancha, cujo nome não quero lembrar”... Me chamem Ismael”... Pensou num monte delas. Se achasse uma frase que lhe trouxesse todas as outras palavras, viriam como um estouro de bois! Correriam ansiosas em direção ao sentido, pedindo pra serem usadas, pedindo pra serem enfileiradas umas atras das outras, pedindo pra dizer! “Palavra foi feita pra dizer”...
Chegou-lhe o sono. O amanhã, dia sem romantismos, que não perdoa horas gastas em busca de palavras a se dizer. O dia foi feito pra viver, e “palavra foi feita pra dizer”...
Deitou-se, sem graça, sonolento, derrotado, esperançoso. “Palavra foi feita pra dizer”... Ela viria... Sem obediência, sem disciplina, na hora que quisesse, com vontade propria, mas viria. Era só esperar... Um dia, no interno das coragens, viria a palavra...Dormiu.