Sou um grande fã de futebol. Pratico, assisto e tento, na medida do que cada dia mais se faz difícil, enxergar o lado poético e lúdico do esporte inglês que nós, brasileiros tomamos como nosso.
Confesso, no entanto que tenho certa preguiça de assistir lances de jogos antigos de futebol. Aqueles lances em preto e branco em que a bola parece ter velocidade diferente do normal. Os jogadores, todos cinzinhas, com uniformes que muitas vezes não se distinguem, correndo pra lá e pra cá, quando de repente; Gol!
Mas nisso não se mexe! São tempos áureos em que nossos primeiros heróis brilharam... Além do que, na memória da geração anterior a minha, que assistiu a todos esses lances ao vivo, tudo era colorido. Alias, muitas vezes há até mais cores nas memórias dos saudosistas do que realmente se pintou então. Fato é, que tudo tinha cor. Ou achamos nós, acostumados a ver cenas retratadas nas cameras em preto e branco, que na época, nossos pais iam ao Maracanã, Mineirão, Morumbi e viam os jogadores em preto e branco? Não! A vida com certeza tinha cor!
A cor que a vida tinha, com certeza era mais colorida que a de hoje. Não por saudosismo, mas era um acontecimento ir ao estádio, assistir jogos de futebol. Um tempo de torcer com mais coração, mais ingenuidade na arquibancada e no campo. Diferente de hoje que o futebol se apresenta como um grande negócio, uma grande vitrine em que tudo parece ensaiado e decorado! O politicamente correto se apoderou das entrevistas cada vez mais decoradas dos jogadores à beira do campo. Sempre a mesma ladainha, no mesmo tom de voz, com as mesmas palavras... Não tenho a mínima intenção de ficar reclamando, dizendo que as coisas viraram insosas, sem graça e que antes, a coisa era melhor e tal... O que queria, era sim, um pouco mais de graça, de vida, de ardência nos que defendem as cores de uma seleção de futebol.
No meio de toda essa paradeza, toda essa mornidão e toda essa apatia, acabo tendo dificuldade de censurar uma atitude como a de Zidane na final da copa de 2006 em que ao ouvir poucas e boas de Materazzi, volta-se pra ele e desfere uma cabeçada, sem nenhuma vontade de levar desaforo de volta pra França! Errado, sim. Mas pelo menos vimos um pouco de sangue quente, calor da disputa e ardência! Allez le Bleu!!! Cores!!!!
Nasci depois do preto e branco. A primeira copa que me lembro foi a de 1982, em que meu pai, animado com a ocasião, comprou uma televisão colorida pra assistirmos o torneio mundial! Desde então, lembro de tudo, em cores e sabores de derrotas e vitórias que nossa seleção nos ofereceu nesses anos todos.
O futebol pra mim é assim; me traz lembranças de conversas, reuniões e encontros felizes. Afinal, somos 4 homens em casa (Coitada da minha mãe). Tudo isso em cores e muita poesia. Aumentamos a intensidade das lembranças! As derrotas soam amargas e as vitórias, explosões de êxtase! Meu filho ouvirá as coisas assim, aumentadas pelas edições da minha memória romântica...
Píer Paolo Pasolini, após a final da Copa de 1970, escreveu um interessante artigo em que analisa o futebol como uma linguagem não-verbal em que jogadores cifram e torcedores decifram um mesmo código. Pasolini constrói uma série de analogias pra chegar a conclusão de que o futebol de poesia da seleção brasileira havia vencido a prosa estetizante da seleção italiana naquela final.
Pasolini argumenta que por motivos histórico-culturais o futebol de alguns países se aproxima da prosa e outros da poesia. O gol seria sempre um elemento poético, uma subversão aos padrões do código, perturbação da paz. Assim como o drible. O autor então lança a pergunta: Quem são os melhores dibladores do mundo e os melhores fazedores de gol??, a resposta que consegue já conhecemos: são os brasileiros, que, por isso podem ser classificados como fazedores de um futebol de poesia. O futebol de prosa se submete a um sistema, onde a organização coletiva do jogo e as regras de sua dinâmica seguem as regras do código de tal modo que se espera de um poeta realista o arremate final: o gol. Aí se formam elipses, se entram em espaços inventados e a escrita dos jogos entre prosa e poesia, se forma a cada 90 minutos de bola rolando.
Engraçadas essas fabulações! Resolvi especular sobre essa intuição pensando nas seleções recentes: Josué, Juan, Lúcio e Gilberto Silva seriam primordialmente prosadores ?! Elano e Juninho Pernambucano trariam uma poética sólida, ?de pedra? e com pendor épico. Robinho tenderia para os versos livres e Ronaldinho Gaúcho? Consenso talvez seja afirmar que Ronaldo seja primordialmente um poeta épico...lembrando de outros: Romário seria na grande área um mestre hai kai...e Pelé? E Garrincha?
Difícil saber...