
Peço licença, mas hoje;
No Brasil acontece uma coisa. Ou se aceita Guimarães Rosa com paixão ou se assume a atitude do “não entendo, não gosto”, sem ter realmente penetrado a obra. Em primeiro lugar é preciso que se compreenda a “alma” dessa criação.
- João, como é que você, que fala com essa absurda simplicidade, usa todo aquele “rebuscamento” para criar um conto?
Você conhece os meus cadernos, não conhece? Quando eu saio montado num cavalo, por minha Minas Gerais, vou tomando nota de coisas. O caderno fica impregnado de sangue de boi, suor de cavalo, folha machucada. Cada pássaro que voa, cada espécie, tem vôo diferente. Quero descobrir o que caracteriza o vôo de cada pássaro, em cada momento. Não há nada igual neste mundo. Não quero palavra, mas coisa, movimento, vôo.
Uma dessas situações estranhas da vida: no meio de uma tarde qualquer, no trabalho, você é surpreendido pela noticia que seu colega de trabalho descobriu seu blog. E está lendo-o.
Você morre de vergonha. E não se pode fazer nada contra isso, já que a rede está em todo lugar, e é pra todo mundo. No máximo tenta contextualizar o objeto virtual, garantir a ele algum sentido, um espaço no mundo, uma ordem, uma epígrafe, uma linha-do-tempo, um testemonial. Um rastro, pegadas.... Socorro!!!
- Meu outro blog era mais interessante (eu e a minha velha tendência à auto-depreciação)…
- Ahn.
- … era mais constrangedor (como se isso importasse)…
- Ahn…
- …aí um dia acabei com ele (e é uma historinha entediante)…
- É?
- …e este novo é só um esboço para alguma outra coisa que não sei qual (como se houvesse outra coisa)…
- Hmm.
- Mas não sou eu, é um personagem! (o tiro de misericórdia)
- Ainda não li tudo... Preciso ler mais um pouco pra ter uma opinião.
Aí torço por uma versão atrasada do bug do milênio. E para que a crise das bolsas de valores afetasse finalmente a rede mundial. E me lembrei do quanto nunca quis ser a Paris Hilton. Nem ninguém famoso. Nem ninguém minimamente conhecido. Se o Chico Buarque tocar a campainha aqui de casa, faço de conta que não estou.
Mas, felizmente, blog é aquela coisa: há sempre o caso do leitor que detesta, toma raiva, fica enfezado e nunca mais volta. Nos meus surtos de blogfobia, vivo me apegando a essa possibilidade.